terça-feira, março 25, 2008

Bege

Tinha as unhas bem feitinhas, mas as vinha lixando dentro do ônibus, pois as queria perfeitas. Mas mal sabia que essa busca por perfeição só as encurtava mais e mais.

Saiu de casa esperando ver coisas bonitas, mas naquele ônibus ela só veia coisas feias: unhas feias, braços feios, rostos feios, roupas feias. Não estava bem e até se sentia muito notada por ser a única com as unhas bonitas. Na janela daquele ônibus lento, que mais tremia do que andava, recostava a sua cabeça e olhava os tijolinhos que formam as casas, os emaranhados de fios, a poeira do chão que levantava. O dia não estava saindo como o esperado.

De súbito, na parada de um ponto, viu uma senhora, bem senhora, com flores de crochê no cabelo e um vestido verde esmeralda, com ombreiras e laçarotes. Era tão inusitado e tão original, que se sentiu feliz e riu de canto de boca. Procurou ver as unhas dela enquanto o ônibus fugia e notou que eram igualmente feias às das outras pessoas, mas não importava, porque ela tinha ar de pedra preciosa.

Em outro ponto de ônibus, entre balas, salgados e amendoins, viu um senhor com uma engenhoca interessante, que se tratava de uma carteira na qual escondia o celular dentro. Era engraçado vê-lo falando com a outra aba da carteira por cima de sua cabeça. Só não era muito prática, porque expunha o dinheiro.

Era tanta coisa inesperada, que o sorriso se fez inteiro na boca. Em cheio. Isso a fez feliz. Tão feliz que soube apreciar o dia de chuva fina, sol forte e cheiro de terra molhada, como são as chuvas nos sonhos mais calmos.

Ela - que na verdade sou eu não querendo me dizer - chegou em casa com o colorido da alegria. Colorido que se passa desapercebido entre tremidas de ônibus. Quis fugir do mundo sem graça de unhas bem feitas e beges e pintou-as de amarelo. Forte. Quatro camadas.

segunda-feira, março 24, 2008

Sobre os tais

Faça-se que eu me faço
Entregue-se que eu me entrego
Beija-me que eu te beijo
Mas nunca finja para mim

Então me repita aquilo
Que eu sou a paz que você precisa
A loucura que você gosta
E que tudo isso é muita paixão

Esse carinho me dá sono bom

Da Páscoa

Chocolate combina muito bem com aulas chatas.

sábado, março 01, 2008

Toda a angústia

Eu me frusto. A Cecília Meireles disse que o instante existe e sua alma, assim, ficava completa. A minha não. Minha alma se esvazia a cada passo mal dado e coleciono frustações. O que existe me mata a cada instante.

Queria eu ser Cecília, ser fulano, ser a chuva caindo lá fora, ser o caramujo que cruzou aquele muro. Eles sabem seu caminho e - por quê? - eu não sei o meu.