terça-feira, novembro 27, 2007

Luz do espelho

O dia estava frio e o lugar solitário. Passava pelas vitrines em uma espécie de transe, como se flutuasse pelos corredores, no ritmo de uma valsa. Sem deixar de ver, mas também não exergando. Estava tão intimista que poderia andar nua, pensando não ser vista.

Tudo parecia ser como uma primeira vez. Uma atmosfera leve, uma música na cabeça, o tato com as coisas. Olhou-se no espelho e encarou-se lá no fundo dos olhos castanhos. Não se reconheceu, como se nunca tivesse se olhado antes. Como se nunca tivesse sido apresentada a si. Como se ao menos soubesse que tinha olhos castanhos. Olhava um rosto fino, uma boca bem rosa, uns olhos caídos e uma pele pálida. Feições que antes não conhecia, não sabia ser suas. Estava encarando bem ali, na distância de uma mão e a distância alguma, com um pouco de medo e um pouco de curiosidade.

E de súbito formou-se um vácuo, onde nada entrava e nada saia. No olho a olho... Aqueles olhos tristes que nunca tinham visto sua própria tristeza. Aquele ser que nunca conversara sozinho. Que formarva opiniões, esquecendo de formar a própria. Que passava tão rápido pelo mundo e pelas coisas e ia engolindo tudo, ao invés de sentir o sabor.

Apertou as mãos bem forte, querendo se sentir ao máximo. E de tanto que apertou, marcou as palmas e fez doer. Num corte, acabou voltando para realidade como era antes - realidade? Saiu do banheiro, sentou em uma mesa e pediu um café, para não ficar com as mãos vazias enquanto esperava por outra pessoa. Se sentiu só, novamente.

terça-feira, novembro 06, 2007

Eu queria saber cantar

Que tudo o que eu falo fosse um canto
Uma bossa nova, um samba de roda
Para afugentar todo e qualquer pranto

Então a fala fluiria do início à coda
Ao invés dessa agora, desajeitada e torta,
Que não se reconhece nem na própria moda

E depois, mesmo eu estando morta,
A alegria plácida não findaria, coerente,
Ainda passando de porta em porta

Não haveria mais o tropeço insistente
Mas a melodia leve de quem sabe cantar
E esbanja beleza ao caminhar tranqüilamente

Eu queria saber cantar